segunda-feira, 30 de junho de 2008

Trem


Quando eu era criança passava a maior parte do tempo na casa dos meu avós maternos. Eles tinham dois gatos, o Lino, cego de um olho, e o Dudo, cego dos dois. Eles moravam em frente à linha do trem e meu avô me ensinou um truque para jogar o lixo fora: esperar o trem passar e jogar em cima de um vagão qualquer (o trem era de carga), depois ficar olhando o lixo passar. Até meus oito anos essa era minha diversão preferida. Meu avó me deu dois estilingues e me ensinou a atirar, mas eu só mirava nos limões e nunca acertei um passarinho na vida. Meu avô me deixava tomar banho de mangueira no quintal antes de ir pra escola e uma vez foi tirar o carro do estacionamento e me deixou ir sentada na parte de fora, na frente do pára-brisa. Minha mãe viu a cena e ficou bem irritada, mas eu adorei. Meu avô sempre voltava pra casa com uma caixa de Mentex (daí meu vício) e sempre me contava umas histórias absurdas como se fossem verdades absolutas. E eu nunca duvidei que fossem, se hoje me perguntarem se existiu um gato baiano que miava com sotaque, eu vou responder que sim.


O mais estranho é que eu nunca mais pensei nisso. Vim pra Petrópolis aos oito anos, meu avô morreu há quase dois e eu só pensei nisso agora, depois de mais de dez anos. Ele soltou fogos uma vez no meu aniversário, tinha esquecido disso também. Eu fecharia a história com "engraçado...", mas pra ser sincera não acho graça nenhuma nisso, queria lembrar de mais coisas.

2 comentários:

jeff disse...

não sabia que relacionamentos assim com avô existisse na vida real.
muito legal, helena.
não conheci nenhum dos meus avôs e eu sempre tive uma imagem dessa figura da forma como escreveu. queria ter vivido coisas assim com eles...

e um comentário sobre o título do post: eu odeio muito trem. ¬¬

Anônimo disse...

tenho dois avôs canalhas vivos e nunca tive relacionamento assim com eles. em compensação, posso dizer que minha avó materna é mesmo minha segunda mãe.
muito bonito esse post. mesmo. :P
fico agoniada quando percebo o quanto esqueci da minha vida também. acho que é por isso que saio tirando foto de tanta coisa idiota: pra ver se não esqueço.